Nota Pública Conjunta nº 01/2021 – Desvinculação de Recursos da Saúde e Educação

Publicado por Breno Carrilho em

NOTA PÚBLICA CONJUNTA No 1/2021

ASSUNTO: Processo PEC no 186/2019 – Senado Federal. Eliminação da vinculação de recursos provenientes da saúde e da educação.

O CONSELHO NACIONAL DE PRESIDENTES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS (CNPTC), a ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ATRICON), o INSTITUTO RUI BARBOSA (IRB), a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS (ABRACOM), a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MINISTROS E CONSELHEIROS-SUBSTITUTOS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS (AUDICON), o CONSELHO NACIONAL DE PROCURADORES-GERAIS DE CONTAS (CNPGC), a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS (AMPCON) e a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ANTC), entidades de âmbito nacional que integram o Sistema de Controle Externo nacional, manifestam-se publicamente sobre a proposta defendida pelo relator do Projeto de Emenda Constitucional no 186/2019, Senador Márcio Miguel Bittar (MDB-AC), cujo artigo 4o, inciso IV, do Projeto Substitutivo, promove a eliminação dos percentuais mínimos definidos para aplicação de recursos na saúde e na educação, apresentado em Mesa para votação no próximo dia 25 de fevereiro de 2021.

A Constituição firma, nos artigos 198 e 212, os limites vinculantes para aplicar em saúde e educação, os seguintes percentuais em relação à sua receita corrente líquida e derivada de impostos e outros:

a) União: educação: 18%; saúde: 15%;
b) Estados: educação: 25%; saúde: 12% (LC no 141, art. 6o); c) Distrito Federal: educação: 25%; saúde: 12%1 e 15%2; e d) Municípios: educação: 25%; saúde: 15%.

Esse custeio, mesmo sem definir percentuais vinculativos, passou a ter assento constitucional com a Carta de 1934, que estabeleceu, no Título V, Capítulo II, as bases da educação e cultura, a partir do art. 148, dispondo o artigo 158 que a União, os Estados e o Distrito Federal reservariam uma parte dos seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação, constituídos pelas “… sobras de dotações orçamentárias (…) doações, percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas, taxas especiais e outros recursos financeiros (…) que serão aplicados exclusivamente em obras educativas, determinadas em lei.

Embora a fixação fosse relegada à legislação ordinária, já se reconhecia a educação como valor estratégico para a formação do cidadão, e compreendido que era indispensável que a administração arcasse com os respectivos custos. Esses preceitos foram mantidos nas Constituições de 1937, 1946 e 1967, entendidos como princípios da educação básica (primário) a obrigatoriedade e a gratuidade. Além disso, foram mantidos os deveres de custeio dos entes federados, porém sem fixação de limites vinculantes.

Com a Emenda Constitucional de 1969, alterada pela Emenda Constitucional no 24 de 1983, a União e os Estados foram compelidos a destinarem 13% e 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

O mesmo ocorreu com saúde. A Constituição de 1934 fixou competência da União e dos Estados sobre saúde pública (art. 10, II). As Cartas de 1937, 1946 e 1967 mantiveram o preceito e legaram à legislação trabalhista a assistência médica ao trabalhador.

Com a Emenda Constitucional de 1969 surgem os planos nacionais de educação e saúde (art. 8o, XIV) e, pela primeira vez, percentuais vinculantes (art. 25, inciso III e § 4o – 6% para os municípios).

Percebe-se, portanto, uma evolução histórica no sentido de instituir um sistema responsável de organização e custeio da educação e da saúde, evidenciando que o Estado não pode permitir que todos os recursos estejam à mão do gestor para aplicar no que bem entender, porque isso afeta as bases da cidadania. A fixação de limites nos moldes da Constituição teve seu fundamento plantado há quase noventa anos.

A garantia de inatingibilidade desses recursos em nível constitucional é um produto de evolução do Estado de Direito Brasileiro há mais de 35 anos.

Segundo o Ilustre Relator, a proposta de redução conseguiria “… devolver aos municípios, aos estados e à União o poder de legislar uma das leis mais importantes, que é o orçamento”.

Em que pese a verossimilhança do argumento, vez que o gestor efetivamente necessita de mecanismos que minorem ou eliminem os gargalos do planejamento, que engessam a gestão, uma modificação dessa envergadura deveria ser precedida de ampla divulgação e discussão, por meio de audiência pública consistente.

Esta é a razão maior da objeção das signatárias à sua apresentação e possível votação em apenas 3 dias, pelo simples fato de abalar uma construção jurídica de décadas que representa dois pilares do próprio Estado Brasileiro, que repercutirá em todo o país.

A preocupação reside no fato de que a ideia avança contra a instituição de limites assentados na Constituição há mais de 30 anos, fruto da evolução estatal. Esses dois pilares, a educação e a saúde, embora entendidas pelo Relator como causadoras do engessamento, estão em consonância com as políticas de evolução e de desenvolvimento sustentado do patrimônio intelectual e social do país.

Ao propor a eliminação do percentual vinculante na área da saúde, o projeto afeta gravemente toda a estrutura de custeio do SUS – Sistema Único de Saúde, já sobrecarregado pelo excesso de demandas e açodado pela crise decorrente da pandemia da Covid-19. Retirar esse limitador, no atual momento da história, sem discussão, pode configurar erro legislativo, porque possibilitará o exaurimento de recursos indispensáveis ao enfrentamento da crise.

Por outro lado, excluindo os limites de custeio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, constitucionalmente vinculado à manutenção e desenvolvimento do ensino, para cobrir auxílio emergencial ou dar ao gestor margem de manobra orçamentária, a proposta corre o risco de deixar o país à deriva, à margem do desenvolvimento social, promovendo um retrocesso inoportuno.

É fato que o excesso de limitadores torna a gestão espinhosa, tendo em vista que o gestor, sobretudo nos Estados e municípios, detém recursos parcos e pouco espaço para implementação das políticas de governo aclamadas nas urnas.

Não se olvida, inclusive, que o Plano Plurianual (PPA) avança um ano no mandato do gestor, postergando a implementação das políticas propostas aos eleitores. Entretanto, essa limitação visa evitar a ruptura abrupta na execução de políticas de estado estratégias e críticas para a sociedade.

Ponderam as signatárias que a recente inserção do FUNDEB no arcabouço normativo constitucional, pela aprovação da PEC no 26/2020, fortaleceu os patamares do crescimento nacional, ao trazer para a realidade permanente do ordenamento jurídico nacional o apoio financeiro adequado, eficiente, eficaz, efetivo e, sobretudo, legítimo à redução das desigualdades sociais, pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de custeio e desenvolvimento educacional.

A proposta de utilização de recursos da Saúde e do FUNDEB, pela eliminação de percentuais vinculantes para dar suporte a outro programa, ainda que emergencial, sem que os segmentos afetados sejam conclamados a se manifestarem publicamente, fragiliza o processo legislativo e retira do Congresso a legitimidade, enfraquecendo o liame representativo.

Por fim pleiteiam, em nome da cidadania, da igualdade e da realidade vivenciada pelas classes sociais dependentes das políticas de saúde e educação, que o Senado Nacional repense os mecanismos de custeio sugeridos e retire do Substitutivo, para futura discussão, a proposta contida no artigo 4o, IV, outorgando à sociedade o direito de discuti-la em audiência pública, à qual se dê a mais ampla publicidade, de modo a evitar a desconstrução dessas duas políticas de Estado de envergadura estratégica, e assim manter incólume o fundamento da dignidade da pessoa humana encartada no artigo 1o, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil.

Cons. Joaquim Alves de Castro Neto

Presidente do CNPTC

Cons. Ivan Lelis Bonilha

Presidente do IRB

Min. Substituto Marcos Bemquerer Costa

Presidente da AUDICON

Procuradora-Geral Germana Galvão Cavalcanti Laureano Presidente do CNPGC

Cons. Fábio Túlio Filgueiras Nogueira

Presidente da ATRICON

Cons. Thiers Vianna Montebello

Presidente da ABRACOM

Proc. de Contas José Américo da Costa Júnior Presidente da AMPCON

Auditor de Controle Externo Ismar dos Santos Viana Presidente da ANTC

Confira aqui o documento original.

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