Eleição na França e princípios democráticos

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O resultado da última eleição presidencial francesa reflete algo que enseja uma reflexão aos brasileiros no atual momento histórico atravessado pelo país com uma divisão entre grupos políticos defensores e acusadores da Operação Lava Jato e tudo que ela representa, senão vejamos.

Não se questiona que a França seja um país democrático, berço de alguns princípios fundamentais ao Estado de Direito tais como a liberdade de expressão, a dignidade da pessoa humana, o livre direito de ir e vir e a igualdade enquanto base das democracias modernas. Verdade é que tais princípios somente foram assegurados após conflitos, lutas e uso de guilhotinas durante o período que antecedeu e sucedeu à Revolução Francesa. Ao longo de sua história os franceses conseguiram construir uma sociedade organizada e um Estado estruturado de modo tal a não só reconhecer tais princípios como premissas, senão também garantir o respeito incondicional aos mesmos.

Possivelmente isto explique o resultado da eleição do último dia 07 de maio em que um candidato com posições mais próximas do multiculturalismo, de uma visão de mundo mais aberta e pluralista obteve ampla maioria de votos em relação à opositora, titular de um discurso assentado sobre bases individualistas, excludentes, exageradamente protecionistas e que beiram a xenofobia. A posição minoritária sem dúvida encontra eco na sociedade francesa, mas é repudiada pela ampla maioria de sua população dado o resultado da apuração.

Pois bem, a quadra histórica vivida atualmente no Brasil apresenta um conflito político-ideológico que por si só não é ruim, ao contrário, pode expressar um certo amadurecimento político-institucional da sociedade brasileira até então “deitada em berço explêndido”. Todavia, independentemente da bandeira político-partidária que se abrace, a conclusão é que mais parecemos duas torcidas fanáticas de clubes rivais de futebol dentro de um estádio em dia de final de campeonato do que grupos com opiniões distintas diante de sucessivos episódios de investigação, apuração, divulgação (com alguma dose de exagero e de auto-propaganda dos investigadores, é verdade) e de processamento de graves crimes que saquearam os cofres públicos na última década e meia sem precedente histórico no mundo ocidental moderno.

Ideologismos à parte, a quantidade de indícios, de provas produzidas sob a forma de documentos, mensagens telefônicas, e-mails, depoimentos, confissões, volume de dinheiro transferido para contas no exterior, negócios jurídicos simulados, obras de reformas em imóveis etc é tamanha, que o resultado que começa a ser observado nas condenações de primeira instância e as primeiras confirmações condenatórias nos tribunais não deixam dúvidas a propósito da materialidade e autoria das condutas criminosas praticadas, inclusive por muitos dos agentes que ainda encontram-se em liberdade bradando aos sete ventos discursos de injustiça e perseguição política.

Por óbvio que o direito de livre manifestação do pensamento é garantido, tal qual assegura-se a expressão de ideologia político partidária a qualquer cidadão. Todavia, em momentos como este atravessado pela sociedade brasileira, há que se respeitar também a autonomia institucional do Ministério Público, dos órgãos de polícia em geral e da Polícia Federal em particular e do Judiciário. Algo importante a se ter em mente é que numa democracia em que se respeita a igualdade de TODOS perante a lei, a dignidade da pessoas e a pluralidade cultural, há que se combater sempre qualquer forma de deturpação do sistema legal e institucional. Quem sabe, não aproveitamos o exemplo da eleição presidencial da França para aprendermos um pouco mais sobre democracia e pluralismo político e cultural sem perder de vista a autonomia do Judiciário e do Ministério Público.

FLÁVIO DE AZAMBUJA BERTI

Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Paraná

Mestre e Doutor em Direito