Cultura se constrói com a repetição de valores e comportamentos, defende PGC da Paraíba

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Sheyla Braga PB

Em razão do Dia Internacional da Mulher, celebrado neste 8 de março, a procuradora-geral de Contas da Paraíba, Sheyla Barreto Braga, participará do debate “Mulheres nas carreiras jurídicas: impasses e enfrentamentos”. O evento, promovido pelo Projeto de Extensão do Curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), ocorre nesta quinta-feira (9), às 15 h, no Auditório João Santa Cruz, na OAB/PB.

Em 2017, a procuradora-geral Sheyla Barreto Braga completa 20 anos no Ministério Público de Contas da Paraíba (MPC/PB). À época, com a proximidade de conclusão do curso de Direito, surgiu a oportunidade da inscrição no concurso. Foi o início da carreira.

Nesta entrevista ao site do CNPGC, ela fala sobre desafios enfrentados pelas mulheres, obstáculos e oportunidades.

Quais os principais obstáculos nesta carreira?

Sheyla Barreto Braga – Um dos principais obstáculos que atravessamos é a falta de autonomia orçamentária, financeira e administrativo-funcional. Ficamos, via de regra, à mercê da natureza da relação com os gestores do Tribunal de Contas, mais próxima ou menos azeitada, para a escorreita consecução de nossos desígnios constitucionais e exercício desembaraçado das atividades de fiscal nato da higidez e equilíbrio das contas públicas. Outra dificuldade é o grande desconhecimento pela média da sociedade brasileira da existência e da função dos Ministérios Públicos Especializados, fato este que concorre para que surjam proposituras tendentes a tolher parte de suas atribuições e prerrogativas. Só se defende aquilo que se conhece, raciocínio válido inclusive para instituições, razão por que devemos investir mais em ações que demonstrem a relevância do MPC para a correta administração do Controle Externo pelos Tribunais de Contas. Afinal, é impensável defender tão altaneira ação de Estado sem a briosa participação de membros abnegados da instituição.

A que tipo de práticas nocivas no ambiente de trabalho as mulheres estão sujeitas?

SBB – Basicamente, à violência verbal, como interrupções constantes; corte do discurso e da fala; alienação a cargos; misoginia e ao assédio moral e até mesmo sexual. Até mesmo nas carreiras jurídicas, nas quais as mulheres, em tese e em princípio, são mais familiarizadas com os mecanismos de proteção dos direitos, existem casos pouco descritos na literatura ou alardeados pela imprensa e meios de comunicação em geral, de colegas constantemente assediadas pela aparência física, intimidadas pelo discurso machista e misógino segundo o que as mulheres nunca deveriam ter saído de casa ou deixado a condição de mães, ou que não têm competência para os desafios do cargo que ocupam, por se dividirem entre a família, o trabalho e os estudos. E o que é pior e mais nefasto há de ser registrado: o acesso a cargos de chefia ainda é muito restringido, mesmo no serviço público, aos homens. À mulher geralmente são destinados papéis de coadjuvantes ou colaboradoras anônimas. Basta dar uma rápida verificada nos nomes que compõem nossos tribunais pátrios para constatar a absoluta preponderância da figura masculina, o que não deixa de concorrer para um certo desequilíbrio, rigidez e baixo nível de evolução e arejamento de entendimentos. Em matéria de gênero, nem sempre o menos é mais.

Como combater esse tipo de violência?

SBB – Podem ser realizadas campanhas publicitárias de consciencialização, em qualquer meio válido, como a internet e a televisão. Sabemos que é uma mudança de cultura lenta e gradativa, geracional. Contudo, o start tem que ser dado para que se torne realidade em termos até de desnaturalização de conceitos. É importante ressaltar, também, a necessidade de cortes de comportamentos nocivos, a exemplo do mansplaining ou do maninterrupting, em que homens interrompem mulheres a todo momento para explicar melhor o que elas estão colocando em uma reunião, audiência ou sessão. No caso das mulheres de carreiras jurídicas, além da adesão à chamada “cultura do não” à intolerância da diversidade. Dizer não, nessa hipótese, é dizer sim, mas à tolerância, ao equilíbrio nas relações interpessoais e ao respeito às diferenças de gênero, as quais em nada diminuem, antes, enriquecem a percepção, vivência e experiência de cada um.

Em sua palestra, é abordada a necessidade de construção de uma cultura de sororidade – termo muito usado no discurso pela igualdade de gênero. O que isso significa e o que é preciso para estabelecer uma cultura desse tipo?

SBB – Sororidade nada mais é do que a união entre as mulheres na luta pelas causas do seu gênero. É um termo ainda não registrado nos dicionários formais, constando, porém, do discurso de igualdade. Da mesma forma que se pugna pela fraternidade e solidariedade entre os homens, no caso das mulheres e transgêneros, tanto mais indeclinável se tem reforçar que se pode ser feminina sem necessariamente ser feminista, isto é, a luta pelos direitos das mulheres e o devido respeito às diferenças e peculiaridades é feita no dia a dia, através de ações simples, que incluem, v.g., repelir, malgrado a um custo emocional alto, quaisquer insinuações ou situações de desrespeito à condição da mulher. Cultura se constrói com a repetição de valores e comportamentos tidos como igualitários, sustentáveis e consentâneos com os anseios e horizontes da humanidade.

Qual a importância de ações coordenadas e em rede como instrumentos de conscientização não só de mulheres, mas da sociedade como um todo?

SBB – As ações em rede são importantes para que seja formada uma capilaridade afirmativa, acarretando uma maior efetividade, ou seja, de sincronismo e articulação de ideias as quais impactam, inclusive, em termos de timing de iniciativas e ações e menor tempo, além de se evitar a superposição de projetos cujo objeto é o mesmo ou semelhante. Em outros termos, é fisicamente impossível se detectar todo tipo de desrespeito e violação aos direitos das mulheres a todo tempo e lugar. A partir do momento em que as mulheres e os simpatizantes da causa de gênero passam a palestrar, ministrar cursos e oficinas, criar blogs ou vlogs, participar ativamente de eventos e dos movimentos, escrever artigos e livros e conceder entrevistas, fazer filmes, documentários e outras obras artísticas, aumentam o raio do conhecimento e da informação, tornam-se mais presentes e atuantes, além de aumentar o grau de conscientização de que, por exemplo, determinadas condutas são inaceitáveis, inclusive sob o ponto de vista jurídico. Por outro lado, a ação em rede evita desperdícios ou superposição de esforços, cujo efeito mais deletério é o afastamento ou perda de interesse por parte de quem é exposto a repetidos conteúdos ou falas, causando retrocessos nas conquistas e ganhos já amealhados a duras penas.

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