NOTA TÉCNICA CONJUNTA CNPGC-AMPCON Nº 01/2018

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ASSUNTO: Artigos a serem vetados do Projeto de Lei nº 7.448, de 2017, do Senado Federal (PLS nº 349, de 2015), que inclui, no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

1. O CONSELHO NACIONAL DOS PROCURADORES-GERAIS DE CONTAS – CNPGC e a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS – AMPCON, vêm apresentar suas considerações quanto à necessidade de veto presidencial a dispositivos do Projeto de Lei nº 7.448, de 2017, do Senado Federal (PLS nº 349, de 2015):

I – DO PROJETO DE LEI Nº 7.448/2017.

2. O CNPGC e a AMPCON veem com preocupação a recente aprovação, pelo Parlamento Federal, do Projeto de Lei nº. 7.448/2017, que “inclui artigos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público”.
3. Se sancionado integralmente, o Projeto de Lei, ao contrário do que propõe sua ementa, será grande fonte de insegurança jurídica e premiará a ineficiência dos gestores públicos.
4. Verifica-se, ademais, a impertinência dos dispositivos propostos em relação ao propósito da LINDB, que é o de definir os princípios de interpretação integradora no ordenamento jurídico brasileiro.
5. Os dispositivos aqui discutidos enfraquecem o controle do gestores públicos, justamente em um momento em que os cidadãos enxergam a necessidade de aprimorar os mecanismos de responsabilização daqueles que fazem uso indevido dos escassos recursos públicos.

II – DOS DISPOSITIVOS DO PROJETO DE LEI Nº 7.448/2017 A SEREM VETADOS.

6. O proposto art. 20 deve ser vetado, na sua totalidade, por ser contrário ao interesse público.
7. A norma proposta, ao demandar que todas as decisões, sejam elas administrativas ou judiciais, incluam na motivação a ponderação de suas consequências práticas, além da motivação para exclusão de outras alternativas possíveis, impõe ônus desarrazoado e não superável pelos julgadores.
8. Ao exigir que as decisões sopesem todas possíveis alternativas ao que for decidido, a norma proposta traz patente ineficácia. Como consabido, o julgador decide conforme o que se lhe apresenta nos autos, não cabendo impor-lhe exercício imaginativo de ponderação sobre hipotéticas soluções mais ou menos gravosas que deveria supor possíveis de realização pelo gestor .
9. Ademais, há de ser lembrado que as sanções decorrem sempre de determinação legal, não se permitindo ao julgador esquivar-se de aplicar a lei por vislumbrar eventual alternativa que entenda, segundo seus próprios critérios, mais adequada. Vale dizer, a lei é que determina as consequências de seu descumprimento, e não a vontade ou as alternativas pensadas pelo julgador.
10. Há de ser considerado, também, que a norma proposta abriria espectro recursal extremamente amplo e desarrazoado, pois sempre permitiria às partes contestar as decisões no caso de uma das eventuais e infinitas alternativas não ter sido contemplada e ponderada pelo juízo decisório.
11. O art. 21, pelos mesmos motivos, também deve ser vetado.
12. A norma proposta, da mesma forma, exige do julgador que indique de modo expresso as consequências jurídicas e administrativas da decisão. Cabe ao julgador reprimir os atos contrários ao ordenamento; o dever-poder de planejar, organizar ou executar um ato é do administrador público, que deve possuir a habilidade e a competência necessárias para lidar com eventuais contingências de sua decisão. O dispositivo estimula o gestor a descumprir as normas, eis que transfere aos órgãos controladores a análise das consequências do não atendimento – por parte do administrador, ressalte-se – de todas as imposições legais que lhe eram exigíveis.
13. Também deve ser vetado o proposto art. 22.
14. A proposta de que, “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”, traz uma alta carga de abstração e emprega conceitos indeterminados que dificultam sua aplicação prática.
15. Há de ser dito, ainda, que a norma em questão afasta-se do princípio da legalidade, previsto no caput do artigo 37 da Constituição Federal como norteador do direito administrativo. Admitir que circunstâncias casuísticas e pontuais motivem o descumprimento de leis permite interpretações contrárias ao próprio Direito, eis que submete o cumprimento das normas a elementos puramente subjetivos.
16. Por conta de tal previsão, que admite o descumprimento de leis, um cidadão de um município que seja gerido por um administrador com “obstáculos e dificuldades reais” será, na prática, um cidadão com menos direitos.
17. Por sua vez, o parágrafo único do art. 23 há de ser vetado por inconstitucionalidade.
18. O art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, outorga aos Tribunais de Contas a competência para “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade”. Já a norma proposta permite ao administrador público o direito de negociar com o controlador, celebrando-se compromisso para o ajustamento da irregularidade, ao invés de submeter-se à imposição de um prazo.
19. O art. 25 merece ser vetado integralmente. Há clara ofensa aos arts. 70 e 71 da Constituição Federal, pois subtrai competências do Sistema de Controle Externo estruturado pelo constituinte. Do modo como pensada, a “ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa” transfere competências próprias dos Tribunais de Contas ao Poder Judiciário.
20. Além do vício de inconstitucionalidade, o interesse público também reclama o veto de tal artigo. É sabido que os Tribunais de Contas, por sua própria formulação constitucional, possuem, atualmente, os técnicos mais capacitados em aferir a adequação e a economicidade de preços. Transferir tais discussões a processos judiciais desconsidera a expertise destes profissionais, além de ser mais dispendioso – dada a necessidade de contratação de peritos judiciais.
21. O art. 26 também deve ser vetado por ser contrário ao interesse público.
22. O dispositivo, além de empregar expressão de amplo subjetivismo (“razões de relevante interesse geral”), premia o gestor que atua em desconformidade com a lei.
23. A possibilidade de celebração de compromissos, com transação de sanções, créditos passados ou estabelecer regime de transição, abre ampla margem para a impunidade do gestor público, dado que permite que o administrador aventure-se em decisões impensadas, vez que suas consequências, se posteriormente adversas, poderão ser afastadas com mera celebração de acordo, sem qualquer responsabilização pessoal.
24. Diga-se, ademais, que a recente e festejada Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013), somente admite sanções premiais para aqueles que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que da colaboração resulte a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. A proposta legislativa que se analisa, ao revés, admite sanções premiais sem qualquer exigência de contrapartida útil, estimulando, assim, o emprego indevido de tal instituto.
25. O art. 28 deve ser vetado, na sua integridade, por ser inconstitucional e, ainda, contrário ao interesse público.
26. Atualmente, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992), ao regular o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, prevê que qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades configura ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário. Todavia, com a inovação legislativa proposta, o agente público somente responderá em caso de dolo ou erro grosseiro, o que se mostra claro retrocesso no combate à má gestão pública, além de contrário ao princípio da moralidade administrativa, vez que isenta de responsabilidade aquele que atua de forma negligente, imprudente e imperita.
27. É, também, contrário ao interesse público e à moralidade administrativa a imposição de ônus estatal de custear a defesa do agente público que tenha seus atos contestados, por retirar a responsabilidade pessoal do administrador e transferir à Administração o risco da conduta irregular do agente.

III – CONCLUSÃO

28. As razões expostas demonstram que os dispositivos citados do Projeto de Lei nº 7.448/2017 mitigarão o controle dos atos da administração pública, por criarem obstáculos adicionais à responsabilização dos agentes públicos que praticarem ilegalidades, além de aumentarem a insegurança jurídica.
29. Assim, o CNPGC e a AMPCON concluem pela necessidade de veto parcial do Projeto de Lei nº 7.448/2017, nos termos do art. 66, § 1º, da Constituição Federal, particularmente para evitar a inclusão dos seguintes artigos à Lei de Introdução às Normas do direito Brasileiro: artigo 20; artigo 21; artigo 22; parágrafo único do artigo 23; artigo 25; artigo 26 e artigo 28.

CONSELHO NACIONAL DOS PROCURADORES-GERAIS DE CONTAS
Ricart César Coelho dos Santos
Presidente

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS
Júlio Marcelo de Oliveira
Presidente